“Mais que discursos e campanhas de conscientização pela igualdade racial, vale a ação concreta”, acredita secretário especial de Políticas de Ações Afirmativas

Em 20 de novembro, o Brasil comemorou o Dia Nacional da Consciência Negra, data da morte do Zumbi, o então líder do Quilombo dos Palmares – situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco, na região Nordeste do país. A data – instituída oficialmente pela lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011 – busca refletir sobre a importância da maior participação e cidadania para os afrobrasileiros – que já são mais de 50% da população – e fim ao racismo, à discriminação e ao preconceito racial.
Diversas conquistas foram feitas nas últimas décadas neste campo, como a criação do Estatuto da Igualdade Racial, o sistema de cotas nas universidades, Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, entre outras, mas é preciso avançar. Os negros ganham menos que os brancos nos mesmos cargos, têm menos chances de avançar nos estudos e são as maiores vítimas de violência: os jovens negros têm 2,5 vezes mais chances de serem assassinados no Brasil do que jovens brancos, segundo Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial 2014.
De acordo com o estudo “Mapa da Violência 2015: Homicídios de Mulheres no Brasil“, realizado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), a pedido da ONU Mulheres, e lançado este mês, a situação é ainda mais alarmante para as mulheres negras. A década 2003-2013 teve aumento de 54,2% no total de assassinatos desse grupo étnico, saltando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. Em contraposição, houve recuo de 9,8% nos crimes envolvendo mulheres brancas, que caiu de 1.747 para 1.576 entre os anos.
Para discutir sobre a importância de uma atuação conjunta da sociedade brasileira em busca de um país mais igualitário, o RedeGIFE realizou uma entrevista exclusiva com Ronaldo Barros, secretário especial de Políticas de Ações Afirmativas do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e Direitos Humanos. O novo Ministério foi criado em outubro deste ano e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) passou a integrá-lo também.
Confira a entrevista completa:
RedeGIFE: O brasileiro se apresenta como um povo que não é racista e nem preconceituoso. No entanto, dados de pesquisas e diversas outras situações que ocorrem diariamente nas ruas mostram o contrário. Por que essa discrepância permanece?
Ronaldo Barros: Por muitos anos, no Brasil, existiu o mito da “democracia racial” que, deliberadamente, escondia o racismo perverso da nossa sociedade e das nossas instituições. Porém, por meio de sua negação, o racismo se fortalece e se manifesta nas relações entre pessoas e grupos, na formulação e concepção de políticas, nas estruturas de governo e nas formas de organização de empresas e estados. Reconhecer que existe racismo no Brasil é um passo importante para que possamos atuar no sentido de superá-lo.
RedeGIFE: Quais são hoje, ainda, os principais desafios enfrentados pela população negra e afrodescendente no Brasil?
Ronaldo Barros: Consideramos que o nosso principal desafio é, ainda, a superação do racismo, de forma que todos os indivíduos tenham acesso e proteção aos seus direitos, sejam eles econômicos, sociais, culturais, civis ou políticos, e tenham garantida sua participação plena e igualitária na sociedade. Ainda hoje, a população negra enfrenta situação desfavorável no mercado de trabalho, no campo da saúde e no acesso ao ensino.
A taxa de homicídios de negros também supera, em muito, a da população branca. Além disso, a cultura negra e as manifestações religiosas sofrem o impacto da intolerância. Por isso, a defesa e a consolidação de direitos e a denúncia da naturalização do racismo são passos cruciais para que possamos alcançar realmente essa superação.
RedeGIFE: Quais políticas são necessárias de serem ainda implementadas para uma real promoção da igualdade racial no país?
Ronaldo Barros: Diversas políticas públicas têm sido implementadas, no Brasil, para impulsionar as bases da construção da igualdade racial. É o caso do sistema de cotas nas universidades, que completou três anos em agosto deste ano e já superou as projeções iniciais. Até agora, o sistema ofertou aproximadamente 150 mil vagas para negros. Outra ação afirmativa, o sistema de cotas no serviço público, já garantiu o ingresso de 600 profissionais negros e negras desde 2014. Também merece destaque a Lei nº 10.639/2003, que estabelece o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira nos currículos oficiais e a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, efetivada pelo Ministério da Saúde. Essas políticas têm sido essenciais para que o Brasil corrija as distorções ainda existentes. Para nós, não se trata de implementar mais políticas mas, sim, de aperfeiçoar as já existentes e ampliar sua implantação no país.
RedeGIFE: Qual o papel e a responsabilidade do setor corporativo na busca e conquista da igualdade racial?
Ronaldo Barros: O setor corporativo, assim como todos os outros setores da sociedade, tem grande responsabilidade com a promoção da igualdade racial. Infelizmente, a herança da escravidão ainda tem raízes profundas em nossa estrutura social e econômica. Portanto, muito mais que discursos e campanhas de conscientização internas, vale a ação concreta, com medidas que alterem a estrutura hierárquica, ofereçam oportunidades iguais e mostrem que a empresa realmente pratica e valoriza a diversidade no seu dia a dia.
RedeGIFE: De que forma os institutos e fundações podem colocar para a implementação de iniciativas que colaborem na construção de um país mais igualitário?
Ronaldo Barros: Os institutos e fundações têm um grande papel a desempenhar no desenvolvimento social e econômico do nosso país. E, nesse papel, o aspecto social configura-se relevante, na medida em que nos confrontamos com a realidade do Brasil. Os institutos e fundações tornam-se multiplicadores de ferramentas e conhecimento e ampliam as possibilidades de implementação de políticas públicas importantes, principalmente aquelas voltadas para a redução da pobreza, para o acesso à renda e aos direitos sociais.
RedeGIFE: Quais as iniciativas previstas pela SEPPIR para o ano de 2016?
Ronaldo Barros: A Seppir, após 12 anos de existência como uma secretaria vinculada à Presidência da República, passou a integrar o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos a partir de outubro de 2015, juntamente com outras duas secretarias: a de Mulheres e a de Direitos Humanos. Para nós, trata-se de um momento especial, propício para o avanço das políticas públicas do setor. Integrados ao novo Ministério, teremos uma oportunidade ímpar de conjugar esforços e atuar transversalmente, com muito mais força.

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