Crianças e Participação

Dia 19 de abril, estive na reunião do Conselho do Orçamento Participativo. O objetivo era contribuir com um debate sobre a participação de crianças. Ano passado, este debate já havia sido feito e manteve-se a participação das crianças. O tema ainda é recente e envolve muitas questões, desde as interpretações das normativas legais a práticas sociais estabelecidas e naturalizadas. Entre elas, está a de que crianças e adolescentes só vão ser gente no futuro, quando adultos. O reconhecimento de crianças e adolescente como sujeitos de direitos impõe ao adulto uma modificação de postura e uma aceitação de dividir espaço com aquele que considera “menor”. É por isso que, mesmo no espaço privilegiado à discussão sobre participação, como o COP, a presença das crianças com direito a opinar e votar causa tanto desconforto. Sob o argumento de proteger as crianças e de que estas não estavam preparadas para assumir a responsabilidade de decidir sobre o orçamento da quinta maior cidade do país, o COP votou pela saída das crianças do espaço.

Queria refletir sobre este processo:

1. Não se exclui qualquer segmento de processo decisório sob alegação de proteção desse mesmo grupo ou sob argumento de incapacidade. Numa trajetória de não participação, que nosso povo sempre experimentou com uma história de tutela e autoritarismo - temos que tomar muito cuidado com decisões que reforçam estes paradigmas, que são, na verdade, paradigmas de poder. O que temos como desafio é avançar nos processos de participação e decisão, tornar esses espaços de fato decisórios e não, como muitas vezes acontece, apenas espaços de legitimação do poder público.

2. Colocar como se as crianças fossem responder pelo destino da cidade e do orçamento de Fortaleza é um argumento hipócrita, pois sabemos o quanto há que se avançar para tornar o OP um espaço real de decisão, inclusive para os adultos. Porém, o que mais me assustou foi perceber que as crianças e adolescentes estavam sozinhos, sem apoio neste debate.

Sob o argumento da proteção, os adultos utilizaram seu poder para excluir um segmento cuja participação agrega ao OP a idéia de co-responsabilidade na construção de um projeto de cidade mais justa e solidária, além de possibilitar um processo de aprendizado intergeracional. Fiquei pensando porque esse - e não outros temas mais urgentes da cidade - pôde mobilizar os conselheiros adultos de maneira tão apaixonada? Será que teve alguma decisão tomada pelas crianças sozinhas? Se há um tema que as crianças e adolescentes já demonstraram compreender antes dos adultos, esse tema é o orçamento da cidade. Antes mesmo de haver orçamento participativo, eles já incidiam no tema, com conquistas importantes, através de emendas, ampliando os recursos para as políticas voltadas ao segmento em Fortaleza. Afinal, do que se tem medo? Será dos 12 votos que elas representam? Isso não é um bom sinal para a cidade. Ainda bem que a história também nos tem demonstrado que os silenciados rompem sempre com o silêncio imposto.

Margarida Marques é coordenadora da Anced e do Cedeca – Ceará


CONTATO: Cedeca (85) 3252 4202

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